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02/03/13

Karate-Do

O Programa Karate Do entrevista o Shihan Sohacu Bastos, 9º Dan em karate Shotokan, 7º Dan em Jiu Jitsu e 2º Dan em Judo, além de ser Graduado em Medicina Oriental pela Escola Imperial de Medicina no Japão, Bacharel em Medicina pela Faculdade de Estudos Médicos da UNIMEC- Sri Lanka, Mestre em Terapia HONNO pelo Instituto Dr. Iwata de Medicina Oriental do Japão entre outras especializações na área da medicina oriental.

 

 

1-Programa Karate Do :

 Shihan Sohaku Bastos,como aconteceu sua aproximação e introdução no universo das artes marciais?

Shihan Sohaku Bastos :

 

Desde a infância, eu tive uma grande atração por lutas. Iniciei meu aprendizado de Judô, de Jiu-Jitsu e de Capoeira muito cedo. Na década de 50 e no início dos anos 60 foi o período de aprendizado: Judô com o Mestre Yano na ACM e Mestre Terazaki em São Paulo; Capoeira com Mestre Bimba, em Salvador; e Jiu-Jitsu com o mestre Helio Gracie. Em 1965, eu já era 2º Dan em Judô, mestre em Capoeira e faixa preta de Jiu-Jitsu. O Karate, todavia, arte que dediquei mais tempo de prática, eu conheci em São Paulo, em 1958, com o Prof. Harada na Academia de Judô do Mestre Kurachi. Somente em 1963, eu conheci o Instrutor Sadamu Uriu, que ensinava Karatê na Associação Atlética da Tijuca. No início de 1964, com a ajuda dos colegas, Oswaldo Duncan, Fernado Pessoa, William Felippe, dentre outros, fundamos o Ginásio Nipo-Brasileiro de Cultura Física SHIDOKAN, na qual chegamos a Faixa-Preta. A partir daí, conquistei vários Campeonatos de Kata e Jiu-Kumitê, sendo os mais importantes, o 1º Campeonato de Faixas-pretas pela Federação Carioca de Pugilismo, tendo lutado com os colegas, Lirton Monassa, Claudio Trigo e Inoki Hiroyassu. No ano seguinte, ocorreu o polêmico Campeonato Nacional da Nihon Karate Kyokai , quando lutei com os colegas Sassaki, Lirton, Inoki e um americano cujo nome não me recordo.

 

2-Programa Karate Do :

Qual foi a sua reação quando viu a primeira vez a arte de Okinawa ou seja,o Karate-Do?

Shihan Sohaku Bastos: 

 

Quando vi pela primeira vez o Mestre Harada, fazendo um Kata, fiquei muito motivado. Isto foi há exatamente 55 anos, e não imaginava que um dia seria mestre dessa nobre arte. Na qualidade de praticante de Judô, Jiu-Jitsu e Capoeira, faltava o Karate para complementar minha formação. Entretanto, não poderia imaginar, na época, que o Karate seria a  arte marcial que mais praticaria na vida.


3-Programa Karate Do :

Shihan,na época em que aqui chegou o nosso karate-Do como era vista nossa arte pelos praticantes de outras artes marciais que já estavam aqui no Brasil e especificamente aqui no Rio de Janeiro como a Capoeira,Judo,Jiu Jitsu da família Gracie e o Boxe?Havia algum tipo de rivalidade?

Shihan Sohaku Bastos  :

 

Como eu tinha praticado quase todas elas, não via obstáculo, tampouco conflitos da pratica do Karate com as demais. O que ocorreu, em meados dos anos 60 e início dos anos 70, foi que um grande número de alunos migrou de outras lutas para o Karate, esvaziando as academias, principalmente, de Jiu-Jitsu. O problema, no fundo, era comercial. Havia, também, uma grande propaganda do Karate na mídia, inclusive nos filmes americanos sobre a “arte mortal do Karate” cujos lutadores quebravam madeiras e tijolos com as mãos. Houve um verdadeiro “boom” do Karate no mundo, e no Brasil, também. Algumas propagandas inadequadas que comparavam essas artes como mais ou menos eficientes numa luta de verdade, levaram muitos praticantes de artes marciais a desafiarem uns aos outros.

Todos nós sabemos que não existe uma arte marcial superior às outras, mas, sim, lutadores mais preparados do que outros. Tanto assim que aqueles que praticaram todas elas admitem essa minha assertiva. Afinal, por que eu escolhi o Karate como meu caminho (Dô) principal? Porque eu me identifiquei com sua filosofia e com sua técnica, apenas isso!

 


4-Programa Karate Do:

Shihan Sohaku Bastos como eram as estruturas dos campeonatos e competições de Karate-Do na época de sua chegada ao Brasil?O Kumite de campeonato era mais próximo da realidade dando assim um preparo maior para o praticante para situações reais?

Shihan Sohaku Bastos :

Inicialmente, gostaria de esclarecer que os campeonatos de Karate não eram bem vistos no Japão no final dos anos 50, e o próprio Mestre Funakoshi só aceitou a realização do 1º Campeonato no Japão, em 1958, a título demonstrativo. Com a sua morte, entretanto, houve um incentivo a promoção de campeonatos com a justificativa da necessidade de divulgação da arte, mormente no Ocidente. A grande separação de colegas e alunos de Funakoshi após a sua morte ocorreu, exatamente, porque muitos não aceitavam os campeonatos esportivos, considerando o perigo de acidentes graves. Nos anos 60, a Nihon Karate Kyokai dirigida pelo meu ex-professor Masatoshi Nakayama, implementou um grande trabalho de divulgação do Karate em todo o mundo Ocidental, enviando professores qualificados para a Europa e Estados Unidos.


5-Programa Karate Do :

Shihan,na década de 60, o senhor tornou-se o primeiro campeão carioca e nacional faixa-preta de Karate, qual seria sua visão sobre a importância dos campeonatos no cresciemnto do estudante de Karate-Do?

Shihan Sohaku Bastos :

Atualmente, eu posso melhor avaliar os Campeonatos de Karate do que no passado. Eu percebo que os campeonatos de hoje são bem diferentes do período inicial do Karate no Brasil, considerando que naquela época existia muito Kimê na aplicação da técnica, o que levava perigo sérios acidentes aos praticantes. Hoje, a velocidade e a postura são mais consideradas do que o próprio Kimê. Ora, com a diminuição do Kimê, naturalmente, o golpe perde o seu potencial de ação bélica. O que mais me preocupa, na atualidade, é a tentativa de transformar o Karate numa espécie de esgrima de braços e pernas, sem a objetividade de finalização de luta. Necessitamos resgatar o Karate do Funakoshi, do Konishi, do Itosu, e de tantos outros grandes mestres.


6-Programa Karate Do :

O senhor ainda aqui no Brasil em seus primeiros anos de estudo da ciência das artes marciais antes mesmo de ir para o Japão e estudar o Yawara Ju Jutsu ou mesmo estudar Karate na NKK e em Okinawa com o mestre Katsuya Miyahira estudou Judo (Butokukai Ryu)com o mestre Yano, Capoeira com mestre Bimba, estudou Jiu Jitsu (Gracie)e foi amigo também do mestre Hélio Gracie e finalmente foi aluno do mestre Harada, 7º Dan em São Paulom foi aluno do mestre Sadamu Uriu no Rio de Janeiro,o que pode nos contar da experiência de ter convivido e ter sido aluno e amigo de homens de tamanha importância nas artes marciais japonesas neste país?

Shihan Sohaku Bastos :

Confesso que no início da minha trajetória, jamais imaginei conhecer tantos grandes mestres no Japão, alguns dos quais foram verdadeiros pais para mim.

O que mais me impressionava nesses antigos mestres era a disciplina, a lucidez e a educação, sobretudo os mais velhos. No Brasil, diferentemente do Japão, os mestre são mais informais por força de nossos valores culturais e sociais. Por este motivo, muitos ocidentais desistiam de ficar treinando no Japão: não havia muita flexibilidade de comportamento, ou seja, a formalidade era a norma geral. Os brasileiros, não obstante o talento e a coragem, não eram tão disciplinados quanto os japoneses.

 

Eu teria que escrever muitas páginas para relatar meus contatos com esses mestres, o que farei um dia, uma vez que tais relatos podem ser úteis para os praticantes de Karate, porém são muitos detalhes. Tanto nas academias japonesas, nas associações, quanto nas universidades, como a Takudai (Takushoku Daigaku), quanto nos mosteiros budistas e as academias de Yawara, e o próprio Kodokan, foram locais de grandes experiências de vida para mim como ser humano, e não apenas de lutador.

 


7-Programa Karate Do :

O senhor pode nos contar como foi a experiência de estudar no Japão as artes marciais?

Shihan Sohaku Bastos :

Eu me dediquei ao treinamento do Karate e do Yawara (Jiu Jitsu antigo), porem tinha que encontrar tempo para estudar a Medicina Oriental e o Budismo. Vivi em mosteiro budista, ao mesmo tempo, que treinava artes marciais e estudava a Medicina Oriental. Foi um período de muito sacrifício e de muita dedicação. Alguns achavam que eu tinha ficado maluco em fazer tanta coisa junta. Muita gente, na época, não via a ligação de uma coisa com a outra. Porém, tudo deu certo. Não me arrependo de nada.

 

 

8-Programa Karate Do :

Shihan,há muita diferença do Karate-Do treinado no Japão para Karate o treinado em Okinawa?

Shihan Sohaku Bastos :

Sim. O Karate do Japão, não obstante a tradição conservada por alguns mestres, desenvolveu-se no sentido do esporte e da preparação atlética do praticante, enquanto que, em Okinawa, a pratica do Karate se manteve tradicional, porém sem o mesmo dinamismo que no passado. Depois da 2ª Guerra Mundial, com a derrota japonesa, e com a ocupação americana em Okinawa, ocorreram proibições e desestímulos da pratica do Karate. Muitos mestres morreram, e outros que sobreviveram, já não tinham o mesmo vigor e motivação. Mesmo assim, vi nos colegas de Okinawa a disposição de manter a tradição da nobre arte apesar de tudo.

 


9-Programa Karate Do :

Shihan Sohaku Bastos,o senhor certamente é uma lenda neste país não só na história do Karate como na da cultura oriental no Brasil tendo sido assim um homem desbravador dos conhecimentos japoneses buscando para sí um aprimoramento extremamente respeitado. Para nós do programa e blog do programa Karate-Do é uma honra podermos entrevistar o senhor inclusive futuramente entrevista-lo no programa.Diante de tamanha biografia para poucos neste país, o senhor pode nos dizer pois,maturidade no assunto e currículo não lhe faltam,o que deve mudar no ambiente da nossa arte ou seja,o Karate-Do para que muitos possam viver e conhecer o verdadeiro Karate-Do que o senhor e tantos outros da velha guarda conheceram?

Shihan Sohaku Bastos :

Se vocês dizem que eu sou uma lenda, eu não sabia, até porque lenda é uma história que nunca existiu, mas fico feliz com o interesse dos mais jovens com a minha vida no Karatê, ou seja, com o desejo sincero de fortalecer os vínculos com o autentico Karate-Dô, tão esquecido, adaptado, e fragmentado, mas que pode ser ainda resgatado por aqueles que mantém o verdadeiro espírito do Karatê-Dô.

 


10-Programa Karate Do : 

Em certa conversa que tivemos Shihan o senhor me disse que na sua opinião o Karate-Do ainda é a grande arte marcial japonesa.Tendo o senhor estudado outras artes marciais japonesas maravilhosas como o Judo,Yawara Ju Jutsu assim como até o Jiu Jitsu da família Gracie que tem suas raízes também no Ju Jutsu japonês, o senhor vê o nosso Karate-Do como uma grande arte japonesa por qual motivo?

Shihan Sohaku Bastos :

Poderia responder a sua pergunta apenas com as palavras que o Mestre Konishi Yasuhiro (10º Dan) que começava os treinamentos diariamente dizendo: Karate-Do to wa, Hito ni Watarezu, hito utazu, Kotono nakyo, Mototo Suru nari. Isto significa o seguinte: a essência do Karatê-Do não é destruir, e não se deixar destruir, e não acontecer acidentes. Em outras palavras: a essência do caminho do Karatê é ser ético, não destruindo ou matando o seu semelhante; ser determinado no combate às injustiças da vida, e ser resiliente nas adversidades; e, finalmente, não deixar que os acidentes que ocorrem com o corpo e com a mente possam derrotá-los. Esses acidentes mentais são: o medo, o ódio, a preocupação, a inveja, a tristeza, e a ambição, os quais destroem o corpo e alma do ser humano.

 


11-Programa Karate Do :

A sua experiência no campo da medicina oriental e até mesmo sua introdução no budismo lhe acrescentou e o aproximou mais do espírito do karate-Do?

Shihan Sohaku Bastos :

 

Eu sempre vi a Medicina Oriental como um meio de ajudar aos outros; o Budismo como uma acesso para o autoconhecimento e para a autopacificação; e as artes marciais, principalmente o Karatê-Dô, como um caminho de disciplina, respeito e determinação. Ao praticá-los constatei grandes e benéficas mudanças em minha vida.

 

12-Programa Karate Do :

Shihan Sohaku Bastos,algumas vezes neste blog e programa sou obrigado a tocar em certos assuntos polêmicos que por vezes vejo serem ignorados.Sabemos que não há arte melhor do que a outra e que o que define o vencedor de uma luta não é o estilo praticado,mas sim o desempenho e entendimento do praticante sobre seu próprio estilo.Seria mentir para nós mesmos se ignorássemos que após a divulgação a nível mundial do Jiu Jitsu da família Gracie, muitas coisas mudaram com relação ao modo que os leigos em artes marciais e até muitos praticantes de artes marciais começaram a ver as artes marciais. Criou-se uma mentalidade ao meu ver equivocada de uma superioridade de um estilo sobre os outros a qual sabemos foi incentivada pelo lado comercial.Por sua vez tal mentalidade gerou anos de rivalidades entre os estilos e artes marciais e danos sociais pela interpretação do público que ignora o que sejam verdadeiramente as artes marciais sobre tal alegação de superioridade de um estilo sobre os outros.De lá pra cá o que era apenas o UFC que tinha como proposta as artes marciais se confrontarem se transformou em MMA ou seja,um campeonato de artes marciais misturadas.Tal evento nasceu devido a crença de que uma arte marcial sozinha não seria capaz de vencer outras misturadas. Lembrando também Shihan que a dificuldade dos lutadores vencerem na década de 90 os lutadores de Jiu Jitsu em tal ambiente fez com que alguns lutadores representante de estilos que lutavam em pé como o Muay Thai,Boxe e até mesmo lutadores de Karate aprendessem o Jiu Jitsu da família Gracie para vencer os lutadores de Jiu Jitsu.Como o senhor vê o cenário das artes marciais no mundo atual com este pensamento de que houve uma evolução dos lutadores porque hoje lutam em pé e no chão se sabemos que o senhor e muitos outros lutadores veteranos de Karate também já sabiam lutar Jiu Jitsu de chão?

 

Sohaku Bastos :

Preliminarmente, friso por necessário, que o MMA ou UFC são máquinas de fazer dinheiro. Nunca houve por parte dessas organizações a preocupação com a cultura e com a arte marcial autentica. Trata-se de uma arena na qual dois indivíduos, versados numa pretensa integração de artes marciais, digladiam-se sem técnica e com o objetivo de finalizar o oponente de qualquer jeito, o que significa dizer com mais força do que técnica. Ora, as artes marciais no Oriente foram criadas exatamente porque o biótipo japonês era franzino compara do com o ocidental. Os orientais desenvolveram a técnica para sobrepujar a força bruta. Eis que a filosofia dessas agremiações é justamente o oposto.

Quem praticou o Karate com grandes mestres deve ter observado que eles conheciam luta em pé e no chão, destoando do que sempre foi ensinado no Ocidente. Voltamos à filosofia do Mestre Funakoshi , que temia que o Karate pudesse ser “modificado” para se adaptar ao Ocidente, e se transformar apenas em um esporte. A Especialização numa arte marcial, que atua só no chão ou só em pé, demonstra a fragilidade da mesma. Mesmo considerando que qualquer luta, em uma situação normal, começa em pé, é possível que ela evolua para a luta de chão, contudo, a forma de luta de chão do lutador de Karate não é necessariamente igual ao lutador de Jiu-Jitsu, até porque no Jiu-Jitsu clássico não se usa socos ou pontapés do chão. Assim sendo, tanto o Karate-Dô tem luta no chão (ver Katas de Karate no chão), quanto o Jiu-Jitsu tem luta em pé utilizando técnicas traumáticas (Atemi Waza). A diferença é que a cultura japonesa sofreu muitas influencia da cultura chinesa, mais antiga. Muitas artes marciais foram introduzidas no Japão em épocas diferentes e locais diferentes. O Karate, por exemplo, nasceu em Okinawa, sul do Japão. Já outras artes foram desenvolvidas no meio e no norte do Japão a partir de técnicas chinesas arcaicas. É um assunto que se encontra em estudos históricos.

A verdade é que o lutador de MMA tem vida curta em sua “arte”, enquanto os praticantes das nobres artes têm vida longa em suas praticas, já que elas não servem apenas para vencer um adversário, mas, como disse Jigoro Kano, pai do Judô, para vencer a si mesmo, o que significa dizer: praticar durante toda a vida para ser digno e feliz.

 

OSS!

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