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07/05/2014

Ao longo dos anos tenho observado de longe o trabalho de diversos profissionais das diversas artes marciais e assim não seria diferente com os irmãos do Kung Fu. E não poderia ficar de fora o famoso Sifu de Ving Tsun (Wing Chun) Kung Fu Leo Imamura. Estive com o Sifu pessoalmente num seminário ministrado por ele aqui no Rio de Janeiro, onde reuniu alguns profissionais e vários estudantes desta arte. O encontro com Sifu Leo Imamura foi inesperado uma vez que eu sabia que haveria apenas um seminário num certo hotel do Rio de Janeiro e que em tal seminário  iria  para conhecer mais de perto tais profissionais da arte, mas o que eu não sabia é que ele seria o Sifu presente.

Fui apresentado ao Sifu Leo por uma das alunas que me encaixou no evento e tive a honra  também de conhecer sua esposa e outra Sifu desta arte, a Sifu Ursula Lima. Todos foram muito simpáticos e não apresentaram preconceito algum ao saberem que pratico e estudo Karate-Do Shotokan Ryu. Durante a palestra o Sifu se dirigiu a mim algumas vezes dando explicações aos alunos e a mim sobre sua trajetória e inclusive nos contou que em certa fase de sua vida praticou Karate. O blog do “Programa Karate-Do” agradece a honra dada pelo Sifu Leo Imamura em nos conceder tal entrevista. Que Deus abençoe bastante seu trabalho, vida, família e sua arte marcial.

 

Programa Karate-Do:

1-Sifu Leo Imamura, poderia nos contar sua trajetória nas artes marciais?

Sifu Leo Imamura:

Minha trajetória nas Artes Marciais começou em 1971, quando tive a honra de ser aluno do Sensei de Judo Yoshiji Goshima e, depois, do Sensei de Karate-do Taketo Okuda. Infelizmente, na época, não estava preparado para desfrutar da sabedoria destes grandes mestres.  Em 1979, iniciei meus estudos de Ving Tsun e tive o privilégio de seguir o Mestre Li Hon Ki,  mais conhecido como Mestre Kay. Em 1987, com o seu apoio, ingressei na Família Moy Yat do Clã Ip Man e, posteriormente, tornei-me discípulo de Grão-Mestre Moy Yat, mestre que eu segui até sua morte em 2001. Em 2003, cumpri uma promessa feita ao meu mentor de desenvolver um programa de viabilização da Denominação Moy Yat Ving Tsun. Desde então tenho me dedicado a disponibilizar o Programa Moy Yat Ving Tsun de Inteligência Marcial a todos os descendentes de Grão-Mestre Moy Yat.  

 

Programa Karate-Do:

2-Sifu, você  que teve a oportunidade de ir a China e por pertencer a um sistema tradicional de Kung Fu poderia nos explicar se há algumas diferenças e quais são as diferenças entre a concepção dos chineses  sobre as  artes marciais na China  e dos brasileiros aqui no Brasil, uma vez que aqui  há uma tendência e influência bem maior  até mesmo por parte da mídia a prática dos modernos sistemas de artes marciais como o MMA?

 

Sifu Leo Imamura:

Mesmo entre os chineses há muita diferença de concepção sobre as Artes Marciais. Por consequência, há também muita diferença entre o que pensam os chineses e os brasileiros. Penso que isso é saudável. Não há uma maneira “verdadeira” ou “correta” de pensar o combate. Assim, quando o combate é visto como arte, as suas diferentes de concepcões passam a caracterizar a sua natureza. O que quero dizer é que as diferentes concepções das Artes Marciais faz parte da sua essência.

 

Programa Karate-Do:

3-Sabemos que em alguns sistemas marciais não existem competições. Cada arte marcial que não as possui, assim procedem por motivos distintos. Você poderia nos dizer, - uma vez que no caso de vocês, do Ving Tsun (Wing Chun),  por  também não possuírem competições,  se passam por algum preconceito ou algum problema  em função de não darem ênfase as competições?

Sifu Leo Imamura:

Como eu disse anteriormente, há uma multiplicidade de visões sobre as Artes Marciais.  No Ving Tsun não é diferente. Há muitos líderes que entendem  o Ving Tsun como uma prática desportiva e que as competições são importantes e assim as realizam. Por outro lado, há outros que pensam ser importante priorizar o Ving Tsun como arte e aí a competição fica sem sentido.  Outros ainda, tentam conciliar estes dois aspectos. Além dessas vertentes, há ainda muitos outros. Por exemplo, há pessoas que enxergam o Ving Tsun como um sistema de luta e outros como um sistema de inteligência marcial. Parece a mesma coisa, mas há uma diferença enorme. Tudo isso contribui para que as Artes Marciais possam atender diferentes segmentos da sociedade.  Não vejo problema nisso, mas toda diferença é fruto do preconceito.

 

Programa Karate-Do:

4-Ainda na questão Ving Tsun (Wing Chun) e competições.  Sifu, com o tempo vimos que de uma maneira ainda que particular por parte dos irmãos Lyoto e Chinzo Machida, o Karate (assim como outras artes marciais tradicionais  orientais que estava quase que extintas da mídia) entrou no MMA. O que você acha da entrada da sua arte marcial em tal ambiente uma vez que há a iniciativa de alguns profissionais em introduzir o Wing Chun neste formato?

 

Sifu Leo Imamura:

Acho que o MMA tem um formato de competição com regras que permite a integração de várias artes marciais. Por isso, penso que é um instrumento para aqueles que acham válido testar sua habilidade não somente com praticantes de mesma arte, mas também com praticantes de outras artes, numa situação de combate.  Contudo, há uma diferença em dizer que há um competidor de MMA que é praticante de Ving Tsun ou que o Ving Tsun está sendo introduzido neste tipo de competição. No caso dos irmãos Machida, eles são reconhecidos pela comunidade do karate como praticantes desta arte e se prepararam bem para este tipo de competição. O resultado foi tão satisfatório que muitos karatecas se sentiram representados por eles, a ponto de podermos dizer que eles representam o Karate. Ainda não vi nenhum praticante de Ving Tsun que possa apresentar esse tipo de representatividade.

 

Programa Karate-Do:

5- Sifu ainda seria estranho falarmos de Wing Chun sem citar a passagem de Bruce Lee nessa escola uma vez que ele foi um dos primeiros a apresentar alguns dos princípios no Ocidente de tal arte. O que você sabe sobre a passagem de Bruce Lee na escola do grande mestre Ip Man? Ele teria realmente ficado incompleto nos estudos desta arte tendo feito apenas 3 níveis do Wing Chun?

 

Sifu Leo Imamura:

Bruce Lee foi um discípulo do Patriarca Ip Man. Ressalto que, ainda que Lee tenha aprendido muitas artes marciais, o Ving Tsun foi a única arte marcial que ele aprendeu formalmente.   Contudo, pela característica personalizada da transmissão, nem todos os discipulos de Ip Man tinham o seu acesso ao Sistema Ving Tsun conhecido pelos demais. Bruce Lee foi um desses casos. De qualquer maneira, o mais importante foi o que ele fez com o que sabia. Penso que é de reconhecimento geral que seus feitos  não foram poucos. Portanto, mais importante do que ter tido acesso pleno ao Sistema Ving Tsun, é saber como explorá-lo, levando em consideração todas as suas possibilidades.

 

Programa Karate-Do:

6- E como vocês veem Bruce Lee? Para vocês ele é um representante desta arte ou sua carreira não é vinculada ao Wing Chun por parte da tradição?

 

Sifu Leo Imamura:

Eu o chamo de Si Baak, ou seja, tio- mais-velho kung fu, pois ele era um irmão- mais- velho (si hing) de meu mestre (si fu), Moy Yat. Como já disse, ele foi um discípulo do Patriarca Ip Man e pertence à árvore genealógica da nossa linhagem. Toda a sua base de seu kung fu, advém do Sistema Ving Tsun.  Para aqueles que compreendem a natureza de nosso sistema, o Jeet Kune Do é apenas um nome para a fase não-estruturada do Sistema Ving Tsun, onde cada praticante se separa do sistema para manifestar o seu próprio kung fu. Como dizia Grão-Mestre Moy Yat : “Kung Fu sem sistema não é Kung Fu, Kung Fu que depende de um sistema não é bom Kung Fu”.

 

Programa Karate-Do:

7- Lembro-me que em seu seminário no Rio de Janeiro, você disse que não deve haver aquele espírito por parte dos praticantes de Ving Tsun (Wing Chun) como os detentores do verdadeiro Sistema Ving Tsun (Wing Chun). Disse também sobre aproximar mais a arte dos leigos que a princípio a rejeitam por não a compreenderem considerando assim uma coisa de chinês. Isso inclusive vejo também o Karate-Do passar na atualidade pelo fato das pessoas não entenderem os Kata e não fazerem ideia de como funcionam  em situações reais. O que mais de interessante você poderia nos passar sobre isso?

Sifu Leo Imamura:

Como eu disse, a natureza da Arte Marcial é a sua diversidade. Assim, o Sistema Ving Tsun é manifestado diferentemente por cada praticante. Considero que sabemos muito pouco sobre o Sistema Ving Tsun. Mesmo tendo muito o que aprender, Grão-Mestre Moy Yat confiou em mim e me titulou mestre. Durante os 26 anos de existência de minha família kung fu, tive a oportunidade de guiar milhares de pessoas no caminho do Ving Tsun, mas até hoje autorizei somente 16 discipulos a utilizar o título de mestre. Sei que eles também sabem pouco, mas tem a humildade devida para lidar com a grandeza do sistemaestão ciente da sua ignorância e ontinuam a estudar diligentemente, assim como eu. São eles (por ordem de titulação):

1.Renato Almeida, de Miami, FL, EUA

2.Anderson Maia, de Belo Horizonte, MG, Brasil

3.Nataniel Rosa, de Brasilia, DF, Brasil

4.Julio Camacho, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

5.Fabio Gomes, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

6.Leandro Godoy, de Buenos Aires, BsAs, Argentina

7.Fabio Matsushita, de Sao Paulo, SP, Brasil

8.Washington Fonseca, de Sao Paulo, SP, Brasil

9.Celso Grande, de Sao Roque, SP, Brasil

10.Ursula Lima, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

11.Walter Correia, de Sao Paulo, SP, Brasil

12.Felipe Soares, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

13.Marcelo Navarro, de Madri, MD, Espanha

14.Ricardo Queiroz, do Rio de Janeiro , RJ, Brasil

15.Leonardo Mordente, de Belo Horizonte, MG, Brasil

16.Domenico Bernardes, do Rio de Janeiro, RJ, Brasil

Tenho a intenção de titular outros discípulos, mas eles precisam amadurecer a ideia de que há muito o que aprender e, por isso, precisam continuar a dedicar-se a prosseguir o caminho do Ving Tsun todos os dias.

 

Programa Karate-Do:

8- Em 1997, na antiga revista KIAI, o professor Geraldo Monnerat  responsável já na época pela Unidade da Moy Yat Ving Tsun  Martial Art System em Niterói aqui no Estado do Rio de Janeiro, já falava da simplicidade e espírito familiar  que existia nesta escola e que de fato eu mesmo senti  e constatei por parte da Moy Yat Ving Tsun quando estive com vocês aqui no Rio para conhece-los. Embora eu também pertença a um Dojo com tal mentalidade de simplicidade, o que faz a Moy Yat Ving Tsun ter profissionais e ambiente tão  agradável?  

 

Sifu Leo Imamura: 

Fico feliz que você tenha citado o meu discípulo Geraldo Monnerat.  Há muito tempo que não o via, mas recentemente tive a oportunidade de falar com ele.  Quanto a sua pergunta, penso que o motivo para tal é termos uma estrutura organizacional que valoriza a relação familiar e o respeito à diversidade.  Penso que este é o espirito de uma Família Kung Fu. Ou seja, em primeiro lugar, valorizar a relação mestre-discípulo, que é vitalícia. Em segundo lugar, a partir do laço familiar, apoiar toda iniciativa dos diferentes membros, a fim de que possa manifestar o seu próprio kung fu. Por isso, que a Moy Yat Ving Tsun Martial Intelligence tem uma grande diversidade de mestres, onde cada instrumento estratégico do Programa Moy Yat Ving Tsun de Inteligência Marcial deve ser necessariamente reconhecido por cada lider de familia para que seu autonomia seja respeitada.  A ideia é buscar a compreensão das diferenças e esforçar-se para respeitá-las,  apoiando-as quando possível.   Acho que isso torna naturalmente nossa convivência agradável.

 

Programa Karate-Do:

9- Como você vê o desenvolvimento e divulgação das artes marciais tradicionais na atualidade, se só vemos espaço na mídia como inclusive até canais de tv a cabo voltados apenas para o MMA?

 

Sifu Leo Imamura:

As chamadas artes marciais tradicionais sempre serão salvaguardadas, desde que hajam pessoas dedicadas para tal. Contudo, é importante que estas pessoas que acreditem na importância das tradições estudem mais profundamente sobre o assunto, para que não fiquem repetindo um conhecimento apodrecido e superado. Penso que  uma tradição é válida quando aquilo que recebemos da geração anterior continua a ter importância ainda no presente, valendo a pena ser salvaguardado. É como dizia um antigo adágio: “Aceite o que é oferecido, Analise o que recebeu, Absorva o que é útil e Rejeite o que é inútil”. Infelizmente as pessoas só enfatizam a última parte.

 

Programa Karate-Do:

10-Em sua escola de Kung Fu é incentivada a prática de outras artes marciais para nível de conhecimento geral como em algumas escolas de artes marciais acontece, ou não há tal incentivo?

 

Sifu Leo Imamura: 

 

Cada um deve buscar seu caminho. Na minha casa, minha esposa e meus filhos praticam arquearia montada com o Prof. Fernando de Almeida Prado. Além disso, minha esposa também estuda Systema com o Prof. Guilherme Stamatos. Eu sou palmeirense, minha esposa é corintiana, meu filho é saopaulino e minha filha é santista.  Penso que a partir do exemplo da minha própria família, as pessoas tem uma noção do respeito que temos com o caminho que cada um deseja seguir. Assim, não incentivo e nem proibo nada, pois cada um deve saber como encontrar seu caminho.

 

Programa Karate-Do:

11- Sifu Leo Imamura, num mundo tão globalizado como o de hoje onde os jovens podem observar de tudo em termos de artes marciais e compará-las com o pouco que veem aqui e ali em vídeos, livros etc.  Qual o conselho que você dá a esses jovens para a escolha de um caminho marcial para eles e quais critérios eles devem ter para essa escolha?

 

Sifu Leo Imamura:

Não me sinto em condições de dar conselhos a ninguém. Mas  penso que esta diversidade de opções é muito rica se forem bem exploradas. Uma das características das Artes Marciais é a valorização da experiência marcial, onde o movimento corporal tem uma importância crucial para o desenvolvimento de uma consciência estratégica. Todos esses materiais citados são importantes como elementos suplementares da dinâmica de estudo de um artista marcial. Penso que tudo pode servir de recurso para enriquecer a experiência marcial, inclusive estes recursos virtuais. Mas eles nunca substituirão uma experiência marcial.

 

Programa Karate-Do:

12-Sifu, na sua opinião a existência do MMA é benéfica para as artes marciais e saudável para a juventude ou acredita no contrário, ou seja, que tal espetáculo onde muito sangue sem objetividade marcial alguma e muito dinheiro envolvido ali só fazem com que muitos enriqueçam e a violência seja incentivada em sociedade?

 

Sifu Leo Imamura:

A existência em si do MMA não é nem benéfica, nem maléfica. Nem saudável, nem nociva. Independente de tudo, quando o MMA é gerido por profissionais que estão levando seriamente o seu propósito, ele passa a ser levado a sério pela sociedade.  Sua propagação pela mídia permite uma reflexão sobre o papel das Artes Marciais no mundo contemporâneo, já que mais importante do que ser contra ou a favor é usar este fenômeno midiático para que a sociedade possa discutir mais profundamente a importância de temas como luta, arte, competição, desporto, defesa pessoal, violência, agressão e tantos outros assuntos que muitas vezes estão num nível tão profundo da manifestação humana que dificilmente vem à tona por outros tipos de meio.

 

Programa Karate-Do:

13- Para finalizar Sifu, há alguma diferença técnica ou de transmissão do Wing Chun ensinado pela Moy Yat e o Wing Chun ensinado na linhagem do Sifu Li Hon Ki o qual o Sifu Marcos Abreu lá da Bahia pertence?

 

Sifu Leo Imamura:

Tive oportunidade de conversar com alguns alunos de meu primeiro mestre, Sr. Li Hon Ki, como o Si Fu Eddie Freire,  Si Fu Marcio Silva e o Si Fu Marcos Abreu. Acho que há muita diferença tanto técnica como de transmissão entre eles e também deles para conosco. Acho isso ótimo. Tenho muito interesse em saber como cada um tem desenvolvido seu trabalho. Cada praticante tem uma realidade bem distinta e é este meio que permitirá o desenvolvimento da particularidade do kung fu de cada um. Quero deixar claro que meus discípulos também desenvolvem trabalhos bem distintos. Espero sempre apoiá-los em suas iniciativas.

Gostaria de agradecer enormemente  e novamente a você, sifu, pelo carinho ao me receber no seu seminário aqui no Rio de Janeiro e nos conceder tal entrevista aqui no Blog. Que venhamos a nos cruzar mais vezes pois, conviver e conhecer mestres como você é sempre enriquecedor. Muito obrigado, sifu! Oss!

Sifu Leo Imamura e Sensei Allan Franklin

Sifu Leo Imamura com seu mestre

 o Sifu Moy Yat

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